Crítica Portuguesa

23.8.05

Paris de França



Regressado agora que estou da bela volta pelas paragens acima enunciadas, acompanhada da mais doce companheira, não posso deixar de assinalar o que mais me ficou na retina e na conciência depois de mais uma visita à cidade inesgotável que é Paris.

Em primeiro, é impossível fugir e não dar o mérito a todo um povo e uma sociedade que sabe comer e tem o bom gosto na cozinha, na mesa e na épicerie que têm os franceses. Enquanto por outras paragens europeias, incluíndo no nosso país, se trata de uniformizar gostos e reduzir espaço de prateleira, se cai no pão de massa congelada de hipermercado e se pena para encontrar algo que se afaste do trivial, a visita a uma épiceria parisiense, quer mais modesta quer mais massificada, é sempre um prazer para os sentidos e uma descoberta constante de algo de novo e imprevisto, disposto a estimular a nossa curiosidade gastronómica do dia. Seja nas Galeries Gourmandes, uma boa surpresa junto ao Palácio de Congressos em Porte Maillot, nas fantásticas Galerie Lafayette ou na interessante Grand Épicerie de Paris do Bon Marché, bons tempos se passaram e lá se procedeu ao consumo de umas coisas boas e à aquisição de algumas vitualhas de paradeiro luso mais difícil.

Outra conclusão foi a de que o "Código de da Vinci" se transformou na prática num roteiro turístico de Paris. Ele foi vê-lo em cima de mesas do café, sendo recapitulado por algum turista, na ante-câmera da "Mona Lisa" e no Louvre, sendo esmiuçado de algum pormenor de última hora, ou nos escaparates de livrarias, lojas de souvenirs ou quiosques de aeroportos. Ainda haverá alguém que fará melhor do que eu a análise de qual lacuna da sociedade Mundial é que a referida obra veio preencher...

Também se verificou o penoso que é assistir à nossa "RTP Internacional". Batidos e amassados com uma "dieta" de Praça da Alegria, Volta e mais volta a Portugal, requentamentos da "Filha do Mar" e regatas de baleeiros a remos no canal do Pico, com interlúdios inenarráveis do provincianismo mais assustador, pude mais uma vez constatar a visão de coitadinho comedor do que quer que se lhe dê com rótulo de Português que a nossa televisão do estado tem dos nosso emigrantes. Sim, porque sem dúvida a "nossa" RTPi é uma televisão feita para emigrantes, de preferência os portadores de todos os clichés que fizeram o passado da nossa emigração, porventura não o presente. Cumpria pensar se é essa a visão internacional que queremos dar ao Mundo, e atentar ao exemplo sempre auspicioso da nobre BBC, no sua encarnação World. Queremos uma televisão para emigrantes, ou uma mostra da cultura e do dia-a-dia Português revestida de um mínimo de seriedade? Salva-se minimamente apenas o Telejornal, igual ao para consumo interno, que apesar de tudo permite aos eventuais estrangeiros que passem pela sua frequência constatar a bizarria do alinhamento de um jornal de horário nobre que ocupa mais de uma hora.

Além disse confirmou-se de novo que a França está bem acompanhada dos Estados Unidos (no caso do segundo nas zonas em que o Espanhol já não é praticamente primeira língua) como bastião das nações monoglotas do Mundo. Não é que tenha alguma alergia ao Françês, que me esforcei por relembrar e praticar, mas constatar na generalidade das pessoas a antipatia do costume a algumas palavras que não cheirem a Gaulês é o assinalar que por lá, o comandante ainda teima garboso em ficar no navio e não ligar à teimosa sirene que o alerta do desastre e à água que lhe vai chegando ao bigode. Também deixa a tentação do costume de fazer a vida negra ao próximo turista Francês que apareça cá pelas nossas paragens, fugindo ao nosso habitual desenrascanço e simpatia linguísticos...

Por último, o constatar de duas bizarrias: a primeira, a política de preços generalizada relativamente às bebidas engarrafadas, sendo que a regra disseminada, do quiosque mais improvisado ao restaurante mais oficial, é que o preço de uma mísera Coca-Cola ou de uma pétillant Perrier atinjam uns obscenos €3 a €5, enquanto o preço da generalidade da alimentação, incluíndo a dos restaurantes acessíveis aos mortais mais comuns, não seja muito diferente dos praticados por cá; outra foi o verificar a o pagamento de taxas diferentes de IVA no caso da refeição ser consumida entre portas ou ser "para levar", sendo que no primeiro caso a taxa ronda os 19% (a que acrescem os costumeiros 15% de serviço) e no segundo de sensivelmente 5%. Tentou-se descobrir o "valor acrescentado", mas em vão. Só se pode concluir que às vezes, como diria o outro, estes Gauleses são loucos...

P.S. Durante a arrebatadora visita a Versailles, lá se deitou o olho liberal e sobranceiro às representações várias dos "inimigos" Louis XIV e Napoleão... E não se pode deixar de desejar aplicar um certo tratamento à moda do Porto à passagem dos retratos do Junot e do Soult! O Masséna aparentemente conseguiu escapar ao olhar atento...
colocado por JLP, 16:07

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