Crítica Portuguesa

14.11.05

Internet ou a intranet Americana?

Escreve o Rui Oliveira d'O Insurgente sobre a questão da ordem do dia da possibilidade da passagem da gestão corrente da Internet, no que toca à gestão dos domínios e sua infrastrutura e dos blocos de endereços IP, da organização Americana sem fins lucrativos ICANN para a alçada das Nações Unidas, em prosa de nome A Net, a ONU e os Estados Unidos.

"É óbvio que há pessoas que acham um desaforo o "controlo" da Internet estar nos Estados Unidos (ver aqui e aqui), mas de facto, se a Internet caísse sob a alçada da ONU, bem poderíamos dizer adeus a liberdade de expressão na mesma."


Julgo que a frase transcrita acima resume as preocupações do Rui Oliveira em relação à migração proposta, de que a queda de tal função no seio de uma qualquer organização da ONU seria o fim da Internet como veículo de liberdade de expressão que presentemente conhecemos. Poder-se-à a sustentação e justificação das dúvidas, quanto a mim, dividir em duas partes: a de se as Nações Unidas não serão capazes de o assumir, ou poderão tentar subverter essa gestão, pactuando com "directivas regionais" de controlo da Internet; a de que os EUA têm sido um particular garante dessa liberdade de expressão e uma mais-valia para o funcionamento de toda a infrastrutura.

Em relação à primeira, acho que nada indica nesse sentido. No exacto mesmo domínio das telecomunicações, temos o exemplo da ITU (uma das organizações candidatas a receber a função), presentemente a mais antiga organização internacional, que tem provas mais que dadas da capacidade técnica e política de gerir uma infra-estrutura do género. Se hoje em dia a inter-conectividade das redes telefónicas é uma realidade, independentemente das suas implementações nacionais, e se podemos tomar como garantida a possibilidade de efectuarmos transparentemente chamadas internacionais, em muito a ela o devemos. Não consta também que, pela sua acção, se tenha mitigado a liberdade de expressão ou se tenha ajudado a promover monopólios ou o controle dos paises do tipo de chamadas telefónicas que recebem ou fazem.

No que toca à questão da manutenção do statu quo, acho que a questão ela própria tem que ser analizada em várias facetas.

Em primeiro lugar, a gestão por motivos históricos de percursor da Internet dos EUA, não tem sido particular garante ou detractor dessa liberdade de expressão. O facto de a gestão ser feita como e por quem é não inviabiliza que a China tenha a sua Great Firewall e que em muitos países se faça a restrição e monitorização do acesso à Internet. Nem a possível migração dessa gestão para outra organização se espera que venha a representar uma particular diferença. É a própria natureza descentralizada e "em grelha" da Internet que faz com que sejam os próprios países, através dos seus orgãos nacionais e da sua legislação específica, quem têm a última palavra a dizer sobre essa liberdade de expressão.

A questão, essa sim quanto a mim fulcral, é a de se é admissível que a gestão de uma infrastrutura global de comunicações, parte da lógica de negócio de centenas de milhar de empresas mundiais e das necessidades de comunicação pessoais de milhares de milhões de pessoas poderá continuar a ser entregue a uma organização dependente do governo de um país, baseado em critérios de natureza histórica. Quando os EUA persistem em manter o ICANN sobre a alçada do Departamento do Comércio dos EUA, na prática colocando dezenas de organizações de países estrangeiros responsáveis pelos TLD dos diversos países (como a nossa FCCN) sujeitos à sua vontade, poderemos pensar da legitimidade desse comportamento. Quando os EUA, no seguimento da sua intervenção junto do ICANN, se arrogam em conferir o monopólio da gestão e exploração dos domínios genéricos .com e .net por ajuste directo a uma empresa Americana (a Network Solutions, posteriormente adquirida pela Verisign), e a atribuir redes Classe A praticamente em exclusivo a empresas e organizações Americas (das quais 7, repito, 7, equivalentes a mais de uma centena de milhões de endereços IP, ao departamento de defesa), deste modo desperdiçando um recurso escasso, ou a conferir a si próprio o direito a ter TLD de uso exclusivo, como o .edu, o .mil e o .gov, acho que é de toda a legitimidade questionar a manutenção desta situação.

Eu sei que, em certos círculos, dizer que tudo o que esteja próximo das Nações Unidas é mau e criticável na mesma proporção em que tudo o que vem dos EUA é louvável fica bem, mas julgo que em relação a esta questão importa ter uma visão liberal sobre o problema. A infrastrutura da Internet não é um exclusivo dos EUA, que se arrogam portanto actualmente de ter jurisdição sobre propriedade que não é sua.

Quanto à liberdade de expressão, preocupemo-nos mais com o que contra ela vai fazendo o nosso Sócrates ou o George W. (demasiados links para listar ;) ) do que com os males que podem vir pela simples gestão da Internet.
colocado por JLP, 05:49

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