Crítica Portuguesa

2.2.06

Ainda as mocinhas casadoiras

Escreve Vital Moreira (negritos meus):
"Por um lado, para o Código Civil só interessa o género (que é uma questão biológica) e não a orientação sexual, pelo que não existe nenhuma discriminação directa com base na segunda; por outro lado, pode defender-se que a noção constitucional de casamento (art. 36º da CRP) pressupõe claramente uma união conjugal e a possibilidade de filhos comuns, o que não dá cobertura ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por isso, há mesmo quem entenda que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não só não é constitucionalmente imposto como até é inconstitucional."
Estranhando e deixando para o fim o primeiro argumento positivista, que coloca Vital Moreira na inesperada companhia do CDS-PP e de associações como a Associação Mulheres em Acção, com tomada pública de posição hoje no Público (link gratuito não disponível), deparamo-nos em seguida com o argumento de que a noção constitucional de casamento (presumo que a expressa no nº 1 do referido artigo 36º, que refere que "todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade") tem como pressuposto a possibilidade da paternidade de filhos comuns, sendo que o facto de homossexuais não podem ter filhos retira a cobertura constitucional e viola o enquadramento desta do casamento. Ora, na minha perspectiva, resultam alguns comentários, que passo a enumerar:
Posto isto, e retornando ao primeiro argumento, a não existir positivamente uma discriminação em termos de orientação sexial, uma vez que o artigo do código civíl só restringe o casamento a pessoas do mesmo sexo, indiferentemente dessa orientação sexual (por mais bizarro que fosse um casamento entre um homossexual e uma lésbica...), efectivar-se-ia, quanto a mim, uma descriminação em termos de sexo, uma vez que é disposto e discriminado legalmente uma restrição efectiva em termos de quais os sexos, e em que quantidade, é que podem participar num casamento.

Partindo para uma analogia, sem prejuizo do raciocício que, actualmente e na práctica (e legalmente), o casamento é um contrato tripartido entre ambas as pessoas que se vão casar entre si e ambas com o estado, seria um pouco como se existisse uma disposição que obrigasse na constituição de uma sociedade comercial, por exemplo numa comandita, que um dos participantes tivesse que ser um homem, e outro uma mulher, ou que um tivesse que ser preto e outro branco. Se julgo que numa situação dessas o padrão discriminatório seria óbvio, porque será que é tão difícil de perceber quando se trata de um casamento?

Já agora, à laia de provocação à perspectiva de Vital Moreira de que "resolvam a coisa na política, porque no TC provavelmente não passa", seria curioso verificar, constando uma disposição em tudo semelhante da Carta dos Direitos da União Europeia (nº1 do Artº 21º), e sendo aprovada esta (e passando a ser vinculativa) como constando da Constituição Europeia (que deus a tenha...) tão ao gosto de Vital Moreira, se calhar o nosso TC não teria mais que "comer e calar" de uma eventual decisão nesse sentido do TEJ...
colocado por JLP, 00:26

2 Comentários:

É, de facto, uma questão complexa, que gera posições contraditórias e que poderá também esconder uma profunda "guerra" de cosmovisões.
comentado por Blogger PMF, 3:40 da manhã  
Sem dúvida!

Seria importante também clarificar a posição da nossa "blogosfera liberal" sobre o assunto, em algo que considero uma clara intromissão do estado na esfera das liberdades individuais, e uma actitudo normalizadora deste que acho que não é de tolerar.
comentado por Blogger JLP, 12:03 da tarde  

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