Crítica Portuguesa

24.2.06

O fim da reabilitação?



Por intermédio de um artigo da Xeni Jardin no Boing Boing, fiquei a saber da existência de um serviço chamado Family Watchdog, que cartografa o território dos EUA mostrando a localização do domicílio de indivíduos que são sex offenders condenados (e que cumpriram pena...). Esta movimentação surge no seguimento das leis recentes, também implementadas no Reino Unido, que obrigam ao registo e à divulgação pública da localização do domícilio de pessoas que foram condenadas por este tipo de crimes. Além do domicílio, é também apresentada uma fotografia e a listagem de dados pessoais, incluindo o respectivo cadastro.



Os sistemas penais ditos "modernos", comuns à grande maioria dos países ditos civilizados, não hesitam em propagandear a sua superioridade moral sobre as concepções retributivas e taliónicas do "olho-por-olho" ou as concepções viradas para a existência de pena como "castigo" e mero meio de dissuasão. A motivação e a razão da existência de penas seria a de proteger a sociedade do indivíduo em causa, contrangindo a sua liberdade e capacidade de interacção com os demais, ou de promover a reabilitação e re-integração social do indivíduo condenado por um crime.

O cumprir da pena deveria portanto ser o assinalar da reabilitação do condenado ou de que a sociedade já não deveria ter nada a temer em lhe conferir a plena liberdade. Criaram-se até mecanismos de excepção, no caso dos condenados serem avaliados como sofrendo de parafilias ou doenças mentais, que permitiriam a extensão do período de privação de liberdade sine die, até que fosse verificada a inversão dessa situação clínica. No caso em apreço, não é este o tipo de condenados em casa, ou não estariam em liberdade, mas sim detidos em instituições psiquiátricas. Os indivíduos em causa cumpriram a totalidade da pena que a sociedade optou por lhes aplicar, e foram soltos por se considerarem satisfeitos os pressupostos enunciados pela lei.

Contudo, o que se verifica, de facto, é que a sociedade faz pender sobre estes condenados uma efectiva pena perpétua de exclusão da sociedade, acompanhada de uma legitimação da permanente devassa da vida privada e de restantes direitos destes indivíduos, incluindo o direito ao bom nome e a não serem descriminados. De facto, o que se verifica é que esses pressupostos de protecção da sociedade e de reabilitação dos condenados são pura e simplesmente subvertidos pela restante legislação, numa clara afirmação do estado da sua incapacidade de aplicar o modelo que se propôs aplicar, ou eventualmente em reconhecer que os seus pressupostos são errados.

Mais grave ainda é o verificar-se como foi aceite pela generalidade das pessoas a abertura desta caixa de Pandora: porque ficarmos pelos sex offenders? Será que as pessoas também, pelo mesmo raciocínio, gostariam de morar ao lado de um condenado homicída? Ou de namorar ou viver com um condenado por violência doméstica? Ou de fazer negócio com um indivíduo condenado por fraude e burla? Ouvimos já o nosso governo socrático querer até fazer a divilgação pública, em moldes ainda a verificar mas que serão sem dúvida semelhantes, de quem pratique fuga e evasão aos impostos, crime para que terão já cumprido com a pena e/ou as sanções acessórias.

Aceite esta sequência de eventos, onde é que vamos parar?
colocado por JLP, 19:41

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