Crítica Portuguesa

6.4.06

Kubrick, Clarke, Evolução e Intelligent Design



Declaração de interesses: sou Deísta.

No dia que se seguiu ao anúncio da descoberta de fósseis de um nosso antepassado, que estabelecem e documentam a transição dos animais marinhos para terrestres, senti-me adicionalmente motivado para esta reflexão sobre a problemática acesa nos nosso tempos que opõe os partidários da Teoria da Evolução, e o que se tem convencionado chamar Intelligent Design (ID), ou Desenho Inteligente.

A análise tinha sido motivada já há algum tempo, no seguimento de um re-visionamento do brilhante 2001: Odisseia no Espaço, obra às vezes tão mal compreendida, amada e valorizada do mestre Stanley Kubrick. A história, fruto do trabalho conjunto de novelização de Kubrick e da Arthur C. Clarke, grande vulto da ficção científica alvo da minha particular predileção, começa por apresentar o prelúdio da civilização, em plena pré-história, o momento da transição de meros animais vulgares para seres com raciocínio minimamente elaborado e capazes de usar ferramentas. A transição é despoletada pelo contacto de uma das criaturas com um artefacto alienígena, um monolito negro de dimensões e execução perfeitas. Mais tarde, já no ano de 2001, é descoberto um novo monolito que lança um conjunto de homens em direcção da órbita de Jupiter, destino do sinal entretanto enviado pela misteriosa estrutura, culminando o filme com a transição de um dos membros da comitiva para um novo estágio de evolução, desprendido de materialidade física e com uma realidade de consciência pura.

A descussão que tem vindo a opôr o ID e os partidários da Evolução, nomeadamente nos EUA, não pode deixar de ter um reflexo interessante na maneira como se pode interpretar o filme de Kubrick e Clarke. Se o ID tem sido bandeira do fervôr religioso fundamentalista cristão, caindo em exercícios de ridículo na sua intenção de encaixar toda a história da humanidade na Bíblia, sejam eles buscas da Arca e do Dilúvio ou parques temáticos a mostrar o Homem de braço dado com os dinossauros entrando na referida Arca, a Teoria da Evolução tem muitas vezes perdido a sua redacção de "Teoria" para se tornar no Credo de muitos ateus, convertidos muitas vezes em fundamentalistas brancos, e promovida a Verdade escrita em compêndios de Ciência.

O referido filme vem demonstrar como é perfeitamente possível a coabitação da Religião com a aceitação da Ciência e da Teoria da Evolução como a melhor hipótese explicativa demonstrável aos nossos olhos. Se torna pacífica a aceitação da Evolução como mecanismo depurador e promotor de um crescendo de capacidades e aptidões dos seres, também concilia esse facto com a constatação de que os saltos quânticos dessa evolução ou o momento primevo de surgimento da consciência humana poderá eventualmente ter sido despoletado por fenómenos que desconhecemos ou que não podemos alcançar à vista das teorias e da Ciência vigente.

Ninguém provavelmente negará que a teoria da evolução como a conhecemos poderia concerteza explicar bem a evolução que antecedeu ou sucedeu ao homem em relação aquele instante. Mas provavelmente também ninguém poderá negar que, desconhecendo a existência do monolito, da existência ou influência externa, alienígena, divína, se estabeleceria nesse momento uma separação entre visão científica, de mutações, de aleatoridade e a efectiva Verdade dos factos. Esta possibilidade, sequer, é para mim suficiente para colocar a Ciência no seu devido lugar: o de uma ferramenta racional e sistemática de análise, descrição e explicação rastreável da Realidade que nos rodeia; a melhor ferramenta à mão para compreendermos, à escala da visão, da razão e da informação de que dispomos.

Mas a mera existência da dúvida, da hipóse irrefutável, colocam para mim a Verdade num patamar inalcançável aos laboratórios e às mentes racionais.
colocado por JLP, 11:14

7 Comentários:

Interessante... eu vejo a maravilha da Vida (incluindo a "Lei" da Evolução) como parte do que podemos chamar Deus...
comentado por Blogger AA, 11:31 da tarde  
Bem, eu tenho a perspectiva de "Lei" em coisas como a Evolução (para mim mais Teoria do que Lei) como Lei (da outra) positiva, como sendo a melhor e mais consensual tese explicativa que temos até ao momento, baseada em critérios científicos e objectivos (ou empíricos, para ser mais correcto).

De resto, em relação à dimensão divina das coisas, sou bastante céptico. Quase ateu. Mas não deixo de me deixar conquistar pelo apelo da questão para mim religiosa por excelência (mais do que a da Morte) que é o instante primeiro da criação do Universo. No resto sou, como disse, céptico, mas não descarto (mas também não procuro) a presença ou a intervenção divina.

Abraço,

João Luís
comentado por Blogger JLP, 12:05 da manhã  
Caro Arrebenta,

E toda essa dissertação tem o quê a ver com este artigo em concreto?
comentado por Blogger JLP, 10:41 da manhã  
HAL 9000, as três letrinhas que antecedem IBM, a futura monopolista da intelegência artificial.... há sempre erros deliciosos na boa ficção científica... ; )
comentado por Blogger FMP, 1:07 da manhã  
:)

Efectivamente para 2001 já não me parece! Mas não negue à partida um 800lb gorilla da informática que neste caso já conhece... ;)
comentado por Blogger JLP, 12:31 da tarde  
Belo filme do Kubrick, mas continuo a preferir a Laranja Mecânica.
comentado por Blogger Flávio, 5:29 da tarde  
Recomendo-te a leitura de

Greg Bear
Stephen Baxter
Richard K Morgan
Stel Pavlou
comentado por Blogger FMS, 1:46 da tarde  

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