Crítica Portuguesa

10.7.05

Sins of the fathers II



Na Arte da Fuga tenta-se analisar, talvez de um modo menos exaltado e mais ponderado, a presente problemática do terrorismo. Não posso deixar, sendo um tema que me interessa, de aceitar o repto, e ainda no seguimento do meu artigo anterior tentar ajudar a dar seguimento à discussão.

Diz o AA:

"As mentalidades têm de mudar, exige-o o nosso instinto de sobrevivência, e não quero dizer com isto que será necessário andarmos a forcefeeding (para usar uma palavra de outro post), os nossos valores aos outros."

"É preciso uma catarse, uma nova ética internacional? Há lugar para a utopia nas relações internacionais?"


Eu sou extremamente crítico em relação à natureza humana de conceitos como "altruismo", "solidariedade", ou até de um suposto "instinto de sobrevivência colectivo humano". O ser humano é, quanto a mim, por natureza fortemente individualista e egoista. O seu mecanismo de raciocínio e de decisão é construido pelo hierarquizar e refinar das diversas funções de utilidade que vai estabelecendo pela sua aprendizagem do meio que o rodeia, naturalmente hostil, por sucessivas iterações de aprendizagem por reforço.

Dir-se-à que este género de raciocínio já teria há muito levado ao extermínio do Homem, numa espiral de instintos predatórios descontrolados e desregulados. Quanto a mim, tal não aconteceu porque o Homem, ao desenvolver a História, começou a constatar que certas estratégias de maximização dessa utilidade, quando disseminadas, comportavam acentuados riscos individuais. Por exemplo, a estratégia de matar alguém para adquirir as suas posses, ao se alargar a toda uma população, transforma todos em predadores e vítimas, sendo que tendo os indivíduos recursos físicos e logísticos semelhantes, transformam essa atitude perante os outros em jogos de soma não nula. Houve assim que naturalmente estabelecer entendimentos, tácitos a bem dizer, do conjunto de estratégias que deveriam ser abandonadas por um conjunto competitivo de players, de modo a assegurar o bem e a subsistência de todos. Surgiu assim, quanto a mim, a Moral e, como produto derivado, a Lei. Pelo consenso de todos em que certas estratégias individuais devem ser reprimidas, pelo facto da sua liberalização ser mais perniciosa, mesmo individualmente, do que benéfica.

Claro que essas extratégias, individualmente, continuam a manter-se atractivas, para os mais ou menos incautos. Dai a necessidade de esse acordo das regras do jogo contemplar a criação de regras explícitas para penalizar quem as tente seguir, surgindo a perspectiva da "sanção" por violação do "bem comum".

Muito do que disse acima continua, quanto a mim, a verificar-se hoje. A questão é que o entendimento tácito da justeza do procedimento narrado acima, pelo aumento das populações e da sua área de disseminação, bem como pelo crescimento das assimetrias de logística e de recursos, tornam cada vez mais difícil a definição desses mecanismos de regulação consensuais. Além disso, a assimetria evolucional dos vários povos provocam o surgimento nos mais evoluídos de regras cada vez mais complexas, com dois problemas, quanto a mim, associados: as regras dos mais evoluídos tornam-se incompreensíveis aos menos evoluídos e são desprezadas porque não conseguem gerar uma base de entendimento da sua justeza e utilidade que as torne enforceable; a profusão de normas nos países evoluídos diluem também nestes a sua utilidade, e criam dificuldades de aplicação que geram nichos apetecíveis a jogadores com alguma propensão ao risco.

O que fazer, então?

Quanto a mim urge clarificar e simplificar quais são, de acordo com o princípio acima, as regras mínimas para a convivência de todos os povos da terra, que pela sua diversidade não deverão ser muitas. Será essa, porventura, a nova "ética internacional" que o AA sugeria. Além disso, urge também eliminar o direito ou a capacidade de ingerência de países e organizações a nível mundial. Os países devem ter o direito de viver com os comportamentos que entre os seus achem admissíveis sem se sujeitarem a remoques e a tentativas de alteração ou adição de regras ou a julgamentos dos outros países. Se um país não tiver trilhado os passos necessários de aprendizagem por reforço e não poder, observando a sua história, descortinar o que foi negativo ou positivo na generalidade, não irá compreender nem ligar às regras que lhes tentem impôr chave-na-mão. Os países tem o direito de cometer erros e de fazer estupidezes, se não interferirem com terceiros. Tem direito a ser anti-democráticos, corruptos, a matarem-se indescriminadamente, se o limitarem às suas fronteiras.

Importa também renovar o papel das Nações Unidas, do papel paternizador e sobranceiro actual, para um papel de árbitro credível transfronteiriço, mais de acordo com a sua Carta.

Quanto a Utopias ou grandes protocolos de Direito Internacional, acho que esse não é o caminho. Perdem-se sempre no caminho da cabeça de quem os idealiza até ao terreno em que são aplicados, a menos que se restrinjam ao mínimo que seja aceite como natural e óbvio.

A Utopia da Humanidade trabalhando por objectivos comuns e com nobres desejos idealistas tem, quanto a mim, lugar cativo na prateleira de todas as outras Utopias irrealizáveis, subjugada que é pela realidade do Homem animal e da Lei da Selva que geralmente descarta mas a que não pode fugir por ser a sua natureza.
colocado por JLP, 18:44

1 Comentários:

"Massive", caro JLP, e muito interessante— e de novo falta-me tempo para elaborar como merece!

Se depender da minha boa vontade, fica prometido...

Um abraço,

AA
comentado por Blogger AA, 6:24 da tarde  

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