24.9.05
Positivismos de conveniência
Surpreende-me a leitura dos sucessivos artigos de João Miranda no Blasfémias sobre a questão Fátima Felgueiras, artigos que culminaram num último, recomendando e considerando imperdível um determinado artigo no Controversa Maresia, onde é feita uma análise jurídica das decisões mais recentes relativamente ao processo. Surpreende-me por ver escrito por um habitual crítico nas suas linhas do positivismo jurídico uma análise de todo o problema que só falta concluir que neste caso se cumpriu a letra da lei, logo está tudo bem. Questiono-me sobre se será um exercício sincero, e como tal estranhamente incoerente, ou apenas um desvio sofista de necessidade de estar do contra. Mas adiante. Passemos à argumentação do Controversa Maresia.
Não sendo jurista, e naturalmente não tendo igualdade de armas para discutir a apresentação feita pela presumível jurista do referido blog, não posso deixar como cidadão que tenta não ignorar a Lei discorrer um pouco sobre a análise apresentada. Em primeiro lugar constato uma análise formal do processo que, apesar de me parecer rigorosa no que refere, peca por não abarcar todo o cenário dos acontecimentos, mesmo à luz do estrito cumprimento da letra da Lei. É que começa por haver um facto que é completamente negligenciado. A arguida Fátima Felgueiras encontrava-se já, pela sua condição, sujeita a termo de identidade e residência antes da medida de coacção ter sido alterada para prisão preventiva, situação que a obrigava a informar o tribunal de quaisquer eventuais deslocações ao estrangeiro que tivesse que fazer. Ou seja, já foi demonstrado no passado que a própria medida actualmente aplicada a FF já foi por ela desrespeitada. Isso também terá sido tomado em conta pela srª juíza? Além disso, se a decisão de aplicação de prisão preventiva nunca fui formalmente anunciada a FF, em facto com contornos bem conhecidos do público e que também convenientemente caíu por entre as malhas dos artigos do Código de Processo Penal e do Código Penal, e também do artigo em questão, a anterior medida de coação tinha cumprido todas as formalidades. Onde é que está a penalização pelo incumprimento dessa medida de coação?
Quanto a este ponto, somente será de questionar a cara Vieira do Mar se é de dar credibilidade a um regresso feito com os timmings da arguida, e porventura até no sentido de favorecer os seus próprios interesses. Proponho à cara Vieira um exercício: suponha que FF se encontava em dificuldades financeiras na cidade maravilhosa, não conseguindo aceder, devido a tal não ter sido possível de acautelar pela rapidez da fuga, ao seu dinheiro. FF regressa, toma conta com mais calma da situação, e regressa explorando a liberdade que lhe foi conferida. Acha um cenário assim tão invulgar, que não devia ser acautelado, como outros, quando se fala em "regressos voluntários"?
Outra questão passa pela crítica cerrada às palavras de Marques Mendes (que não tenho o mínimo interesse partidário ou corporativo em defender), que teria qualificado o sucedido como uma machadada na Justiça. Calma, cara Vieira do Mar! A Justiça não é só poder judicial. Não é necessário abanar o espectro de uma intromissão intolerável do poder político no poder judicial. Terá a sinceridade de convir que Marques Mendes, como deputado, faz parte material sim, mas do poder legislativo, cujo papel não é naturalmente de ignorar na visão da Justiça como um todo. Não admite sequer a possibilidade de Marques Mendes estar a criticar não a decisão da juíza em concreto, mas sim o vazio legal que atravessa toda a questão, com total legitimidade? Além disso, por mais que o nosso poder judicial se endeuse e se auto-regule, repito mais uma vez que a Justiça não é só o poder judicial, e que esta, como entidade abstrata do nosso estado, não está nem deverá estar imune a críticas de quem quer que seja.
Sinceramente, na declaração acima, só posso constatar que o tiro saiu sem dúvida ao lado, e que sem dúvida o atestado de ignorância terá sido mal passado. Terá a cara jurista a veleidade de achar que num determinado instante somente se materializa como crime e como castigo aquilo que está na Lei? Será que acha que quem não tem conhecimentos jurídicos não é passivel de emitir opinião acerca do que acha que deveria constituir crime e dos comportamentos que deveriam ser sancionados?
A surpresa não é pela liberdade de FF se poder recandidatar. A "surpresa" é pela existência de um ordenamento jurídico específico que lhe confere a possibilidade de protelar os seus compromissos jurídicos e de tornear medidas de coacção somente pelo facto de ser candidata autárquica. Ou que explicitamente parece prioritarizar o direito de determinada passoa participar em campanha eleitoral (e não de ser candidata) à necessidade de se apurar a verdade e aplicar a Justiça.
Naturalmente, a melhor altura para aplicar a medida de prisão preventiva será portanto... a posteriori!
Quanto ao resto do conteúdo da adenda, remeto para o meu artigo anterior, onde julgo ser capaz de levantar outras situações onde as considerações expostas de possível alteração da medida de coacção também, quanto a mim, fariam sentido.
Mas da leitura de todo o artigo em questão só posso concluir que ele é afinal o reflexo de alguns dos problemas da nossa Justiça. Nomeadamente a assumpção de que o que existe está bem "porque existe" e porque "é assim", e de que os maiores e mais clamorosos erros e injustiças têm, naturalmente, o melhor dos enquadramentos legais.
Haja algum sentido crítico e que se matem algumas vacas sagradas.
Não sendo jurista, e naturalmente não tendo igualdade de armas para discutir a apresentação feita pela presumível jurista do referido blog, não posso deixar como cidadão que tenta não ignorar a Lei discorrer um pouco sobre a análise apresentada. Em primeiro lugar constato uma análise formal do processo que, apesar de me parecer rigorosa no que refere, peca por não abarcar todo o cenário dos acontecimentos, mesmo à luz do estrito cumprimento da letra da Lei. É que começa por haver um facto que é completamente negligenciado. A arguida Fátima Felgueiras encontrava-se já, pela sua condição, sujeita a termo de identidade e residência antes da medida de coacção ter sido alterada para prisão preventiva, situação que a obrigava a informar o tribunal de quaisquer eventuais deslocações ao estrangeiro que tivesse que fazer. Ou seja, já foi demonstrado no passado que a própria medida actualmente aplicada a FF já foi por ela desrespeitada. Isso também terá sido tomado em conta pela srª juíza? Além disso, se a decisão de aplicação de prisão preventiva nunca fui formalmente anunciada a FF, em facto com contornos bem conhecidos do público e que também convenientemente caíu por entre as malhas dos artigos do Código de Processo Penal e do Código Penal, e também do artigo em questão, a anterior medida de coação tinha cumprido todas as formalidades. Onde é que está a penalização pelo incumprimento dessa medida de coação?
Em termos estritamente formais, esta decisão faz todo o sentido; dizer que se verifica, em concreto, perigo de fuga, quando a arguida se apresentou voluntariamente ao Tribunal, é uma profunda estupidez.
Quanto a este ponto, somente será de questionar a cara Vieira do Mar se é de dar credibilidade a um regresso feito com os timmings da arguida, e porventura até no sentido de favorecer os seus próprios interesses. Proponho à cara Vieira um exercício: suponha que FF se encontava em dificuldades financeiras na cidade maravilhosa, não conseguindo aceder, devido a tal não ter sido possível de acautelar pela rapidez da fuga, ao seu dinheiro. FF regressa, toma conta com mais calma da situação, e regressa explorando a liberdade que lhe foi conferida. Acha um cenário assim tão invulgar, que não devia ser acautelado, como outros, quando se fala em "regressos voluntários"?
Outra questão passa pela crítica cerrada às palavras de Marques Mendes (que não tenho o mínimo interesse partidário ou corporativo em defender), que teria qualificado o sucedido como uma machadada na Justiça. Calma, cara Vieira do Mar! A Justiça não é só poder judicial. Não é necessário abanar o espectro de uma intromissão intolerável do poder político no poder judicial. Terá a sinceridade de convir que Marques Mendes, como deputado, faz parte material sim, mas do poder legislativo, cujo papel não é naturalmente de ignorar na visão da Justiça como um todo. Não admite sequer a possibilidade de Marques Mendes estar a criticar não a decisão da juíza em concreto, mas sim o vazio legal que atravessa toda a questão, com total legitimidade? Além disso, por mais que o nosso poder judicial se endeuse e se auto-regule, repito mais uma vez que a Justiça não é só o poder judicial, e que esta, como entidade abstrata do nosso estado, não está nem deverá estar imune a críticas de quem quer que seja.
E a entender que a expressão crime sem castigo, propalada por este senhor e por outras eminências pardas da nossa praça (tais como Vicente Jorge Silva, hoje, no DN), revela uma ignorância jurídica, no mínimo, confrangedora? Sim?
Sinceramente, na declaração acima, só posso constatar que o tiro saiu sem dúvida ao lado, e que sem dúvida o atestado de ignorância terá sido mal passado. Terá a cara jurista a veleidade de achar que num determinado instante somente se materializa como crime e como castigo aquilo que está na Lei? Será que acha que quem não tem conhecimentos jurídicos não é passivel de emitir opinião acerca do que acha que deveria constituir crime e dos comportamentos que deveriam ser sancionados?
Segunda questão: todos se mostram muito surpreendidos por a dita senhora (tal como o Isaltino e congéneres) se poder recandidatar e - horror dos horrores! - ir à frente nas sondagens. Mas qual é a novidade?, pergunto eu.
A surpresa não é pela liberdade de FF se poder recandidatar. A "surpresa" é pela existência de um ordenamento jurídico específico que lhe confere a possibilidade de protelar os seus compromissos jurídicos e de tornear medidas de coacção somente pelo facto de ser candidata autárquica. Ou que explicitamente parece prioritarizar o direito de determinada passoa participar em campanha eleitoral (e não de ser candidata) à necessidade de se apurar a verdade e aplicar a Justiça.
Agora, não podemos, com base numa quase futurologia e em meras conjecturas, privar alguém da sua liberdade.
Naturalmente, a melhor altura para aplicar a medida de prisão preventiva será portanto... a posteriori!
Quanto ao resto do conteúdo da adenda, remeto para o meu artigo anterior, onde julgo ser capaz de levantar outras situações onde as considerações expostas de possível alteração da medida de coacção também, quanto a mim, fariam sentido.
Mas da leitura de todo o artigo em questão só posso concluir que ele é afinal o reflexo de alguns dos problemas da nossa Justiça. Nomeadamente a assumpção de que o que existe está bem "porque existe" e porque "é assim", e de que os maiores e mais clamorosos erros e injustiças têm, naturalmente, o melhor dos enquadramentos legais.
Haja algum sentido crítico e que se matem algumas vacas sagradas.
colocado por JLP, 19:12