Crítica Portuguesa

9.4.06

O retorno na blogosfera

Um dia depois de perdermos a companhia d'O Acidental, voltamos a poder disfrutar de ler o Karloos, no seu Licenciosidades, herdeiro do endereço do anterior Tau-Tau. Por aqui ficam as sinceras boas-vindas. Já cá faltava!
colocado por JLP, 16:38 | link | 1 comentários

6.4.06

Kubrick, Clarke, Evolução e Intelligent Design



Declaração de interesses: sou Deísta.

No dia que se seguiu ao anúncio da descoberta de fósseis de um nosso antepassado, que estabelecem e documentam a transição dos animais marinhos para terrestres, senti-me adicionalmente motivado para esta reflexão sobre a problemática acesa nos nosso tempos que opõe os partidários da Teoria da Evolução, e o que se tem convencionado chamar Intelligent Design (ID), ou Desenho Inteligente.

A análise tinha sido motivada já há algum tempo, no seguimento de um re-visionamento do brilhante 2001: Odisseia no Espaço, obra às vezes tão mal compreendida, amada e valorizada do mestre Stanley Kubrick. A história, fruto do trabalho conjunto de novelização de Kubrick e da Arthur C. Clarke, grande vulto da ficção científica alvo da minha particular predileção, começa por apresentar o prelúdio da civilização, em plena pré-história, o momento da transição de meros animais vulgares para seres com raciocínio minimamente elaborado e capazes de usar ferramentas. A transição é despoletada pelo contacto de uma das criaturas com um artefacto alienígena, um monolito negro de dimensões e execução perfeitas. Mais tarde, já no ano de 2001, é descoberto um novo monolito que lança um conjunto de homens em direcção da órbita de Jupiter, destino do sinal entretanto enviado pela misteriosa estrutura, culminando o filme com a transição de um dos membros da comitiva para um novo estágio de evolução, desprendido de materialidade física e com uma realidade de consciência pura.

A descussão que tem vindo a opôr o ID e os partidários da Evolução, nomeadamente nos EUA, não pode deixar de ter um reflexo interessante na maneira como se pode interpretar o filme de Kubrick e Clarke. Se o ID tem sido bandeira do fervôr religioso fundamentalista cristão, caindo em exercícios de ridículo na sua intenção de encaixar toda a história da humanidade na Bíblia, sejam eles buscas da Arca e do Dilúvio ou parques temáticos a mostrar o Homem de braço dado com os dinossauros entrando na referida Arca, a Teoria da Evolução tem muitas vezes perdido a sua redacção de "Teoria" para se tornar no Credo de muitos ateus, convertidos muitas vezes em fundamentalistas brancos, e promovida a Verdade escrita em compêndios de Ciência.

O referido filme vem demonstrar como é perfeitamente possível a coabitação da Religião com a aceitação da Ciência e da Teoria da Evolução como a melhor hipótese explicativa demonstrável aos nossos olhos. Se torna pacífica a aceitação da Evolução como mecanismo depurador e promotor de um crescendo de capacidades e aptidões dos seres, também concilia esse facto com a constatação de que os saltos quânticos dessa evolução ou o momento primevo de surgimento da consciência humana poderá eventualmente ter sido despoletado por fenómenos que desconhecemos ou que não podemos alcançar à vista das teorias e da Ciência vigente.

Ninguém provavelmente negará que a teoria da evolução como a conhecemos poderia concerteza explicar bem a evolução que antecedeu ou sucedeu ao homem em relação aquele instante. Mas provavelmente também ninguém poderá negar que, desconhecendo a existência do monolito, da existência ou influência externa, alienígena, divína, se estabeleceria nesse momento uma separação entre visão científica, de mutações, de aleatoridade e a efectiva Verdade dos factos. Esta possibilidade, sequer, é para mim suficiente para colocar a Ciência no seu devido lugar: o de uma ferramenta racional e sistemática de análise, descrição e explicação rastreável da Realidade que nos rodeia; a melhor ferramenta à mão para compreendermos, à escala da visão, da razão e da informação de que dispomos.

Mas a mera existência da dúvida, da hipóse irrefutável, colocam para mim a Verdade num patamar inalcançável aos laboratórios e às mentes racionais.
colocado por JLP, 11:14 | link | 7 comentários

4.4.06

Imagens do apocalipse

My eyes, my eyes!

(Aviso: o link aponta para uma imagem que pode causar efeitos imprevisíveis nas pessoas mais susceptíveis. Depois não digam que eu não avisei.)
colocado por JLP, 21:25 | link | 1 comentários

Até quando você vai levar porrada?

People should not be afraid of their governments. Governments should be afraid of their people.

V for Vendetta
Ultrapassando a óbvia falta de isenção, não posso deixar de apoiar e promover a iniciativa e o voluntarismo da Sandra (também anunciada no Gildot), nos tempos presentes em que a liberdade individual dos indivíduos é cada vez mais ameaçada:
Portugal é o velho país de brandos costumes, pensava eu; sem tendências securitárias, sem um lugar que se visse na economia mundial, o apelo às armas tardaria a chegar. Mas as últimas notícias têm-me feito ver que talvez não haja assim tanto tempo para deixar maturar as ideias. Os ataques estatais à privacidade do indivíduo, os abusos do sistema de direito intelectual, a conjunção de interesses económicos e do poder político na criação de uma rede de vigilância cada vez mais eficaz estão, afinal, na soleira da porta. Antes que a causa esteja perdida, portanto (e por muito respeito que eu tenha às causas perdidas!), gostava de convidar todos aqueles que, sem qualquer espécie de compromisso, gostassem de participar na criação de uma associação com os fins descritos a transmitir-me essa vontade deixando um comentário e os contactos neste post ou enviando uma mensagem para sandramartinspinto@gmail.com .
As agressões são sem dúvida crescentes, por todo o mundo fora. Olhamos por exemplo para os EUA e não podemos deixar de constatar como as liberdades individuais, a própria noção de cidadania e o equilíbrio de poder entre o estado e os cidadãos se têm vindo a degradar nos últimos anos. Mas justiça deve ser feita aos cidadãos americanos: a existência de organizações como a EFF ou a ACLU (mesmo descontando alguns excessos ideológicos ou de políticamente correcto onde embarcam ocasionalmente) tem demonstrado que vigor é que as sociedades podem ter para poderem travar os desvarios do estado. Por cá, na terra dos anunciados brandos costumes, isso vai fazendo tanta falta...

Por mim, as minhas causas e a minha visão de cidadania fazem com que só possa abraçar com força a causa.

Está aqui um para a lista!
colocado por JLP, 16:57 | link | 2 comentários

3.4.06

A duração do direito de autor

Outro artigo que complementa o anterior para a referida discussão:

No artigo entitulado O "buraco analógico", aflorei com brevidade sobre o tema do direito de autor, nomeadamente sobre a questão da sua duração após o instante da criação de uma determinada obra literária, musical ou artística que seja abrangida por esse estatuto, durante a qual é detido pelo autor ou seus descendentes, até cair em domínio público.

Na altura citei um artigo do blog do escritor Neil Gaiman, ele próprio citando um discurso de Samuel Clemens (mais conhecido por Mark Twain) ao Congresso Americano em que este referia (tradução livre):
Concordo que a duração do direito de autor seja a da vida do autor mais cinquenta anos. Julgo que isso satisfaria qualquer autor razoável, já que lhe iria permitir a subsistência dos seus filhos. Os netos que cuidem deles próprios. Isso permitiria cuidar das minhas filhas, e sou indiferente ao que aconteça a seguir. Nessa altura, já há muito estarei fora dessa luta, independente dela e indiferente a ela.
O referido artigo de Neil Gaiman continua em seguida demonstrando o aspecto que o abuso do direito de autor pode constituir, descrevendo o comportamento de Stephen Joyce, neto e último descendente do autor Irlandês James Joyce.

Volto ao assunto no seguimento de uma notícia da BBC News que relata as movimentações e o burburinho em torno da eminente entrada em domínio público de algumas obras de Elvis Presley, de acordo com a lei do direito de autor vigente na União Europeia. O mesmo processo prepara-se para colocar também em domínio público obras de Chuck Berry, James Brown e, no ano de 2013, dos Beatles.

A problemática do direito de autor já não é nova e não está isenta de desenvolvimentos. Historicamente, está inscrita na Constituição Americana, devido a uma forte influência do autor da Declaração da Independência e 3º presidente dos EUA Thomas Jefferson, forte defensor da limitação no tempo do direito de autor. Tal pode ser vislumbrado nas cartas que trocou com o seu protegido, Secretário de Estado, pai da constituição e 4º presidente dos EUA James Madison.

Foi somente em 1886, com a assinatura da Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas que o direito de autor se tornou direito internacional e como tal respeitado internacionalmente, tendo sido estabelecido um limite mínimo de duração deste da vida do autor mais 50 anos. O ordenamento jurídico internacional foi complementado em 1952 com a Convenção Universal do Direito de Autor, e é hoje em dia subscrito praticamente pela totalidade dos países, nomeadamente via a Organização Mundial do Comércio.

Bem, até este momento, ter-me-iam como um forte defensor do direito de autor. Compreendo e defendo que um autor deva ter garantido o direito a lucrar com a sua obra e que deveria também ser protegido, no seguimento das palavras de Mark Twain, na capacidade de com elas porvir aos seus filhos. Depois desse período, acredito que a Sociedade deva poder, à semelhança do que acontece com outras variantes da Propriedade Intelectual como as patentes, ter o direito a poder beneficiar em liberdade das obras e utilizá-las para avançar e evoluir, gerando novas obras. O problema é que, com o surgimento de uma grande quantidade de empresas que exploram directamente o mercado das obras e do direito de autor, têm-se estabelecido poderosos canais de pressão e de lobby no sentido de aumentar a duração da vigência do direito de autor, ou mesmo de o tornar perpétuo. Jack Valenti, anterior responsável da MPAA é geralmente citado como tendo referido que (uma vez que a Constituição dos EUA proíbe expressamente o direito de autor perpétuo), este deveria ter a duração "da eternidade menos um dia". Alguns avançam até com propostas de estabelecer essa duração no período de um milhão de anos, tentando contornar a proibição constitucional.

Em 1993, a União Europeia aprovou a Directiva sobre a harmonização da duração da protecção do direito de autor, que tentava harmonizar no seio dos países da união a legislação existente nesse sentido. Ficou-se pela lei existente Alemã, a que estabelecia o maior período, em concreto de 70 anos após a morte do autor, com efeitos rectroactivos, i. e. re-estabelecenco o direito de autor em obras que já se encontravam em domínio público em alguns países.

Em 1998, os alarmes começaram a soar no quartel-general da Disney, alertando para a eminente entrada em domínio público do Rato Mickey no próximo ano de 2003, seguido pelo Pluto em 2006 e pelo Pateta em 2008. Tinha chegado a altura de começar a "untar o congressista"! Um relatório da CNN da altura detalha em pormenor as voltas e golpes sujos por detrás da cena (envolvendo tanto Democratas como Republicanos), que culminaram na aprovação no Congresso do Acto Sonny Bono de Extenção de Duração do Direito de Autor, por uma conveniente votação oral, que tornou impossível a posteriori determinar quem tinha votado a favor ou contra. Esta lei permitiu que a duração do direito de autor passasse da vida do autor mais 50 anos, para a vida do autor mais 75 anos no caso de obras individuais e 95 no caso de direito de autor detido por empresas e trabalhos anteriores a 1 de Janeiro de 1978. Basicamente uma extensão de 20 anos. Um dos argumentos utilizados foi que a lei Europeia que atribuía mais 20 anos seria injusta. A cosnstitucionalidade do Acto foi disputada no Supremo Tribunal dos EUA, sob uma acusação de que o Congresso tinha excedido os seus poderes constitucionais, mas acabou por ser considerada constitucional por uma decisão de 7 contra 2.

Chegamos portanto à altura da notícia sobre Elvis Presley. Agora, é a Indústria Fonográfica Inglesa (BPI) que reclama, de acordo com o artigo, que exite nos EUA uma protecção de 95 anos após a produção do disco em causa, e que os termos "menos favoráveis" da lei Europeia colocam a indústria discográfica numa situação de disvantagem com os EUA.

Quando é que esta loucura vai terminar? Vamos continuar a ver destes incrementos de 20 anos serem descricionariamente acrescentados de vez em quando? Estas obras já geraram lucro mais que suficiente, e concerteza que o interesse dos filhos já foi também mais que acautelados.
colocado por JLP, 12:56 | link | 2 comentários

O "buraco analogico"

Para memória futura, e para servir de apoio à discussão em curso com o António Amaral d'A Arte da Fuga sobre o tema do direito de autor e das patentes (para já aqui, aqui e aqui), aqui se traduz um artigo meu de paragens antigas (com algumas adaptações):

Este interessante artigo narra a história de como a Santa Sé procurou limitar os direitos de copia e de difusão da obra Miserere de Gregorio Allegri, num prelúdio para a locura presente em torno do direito de autor e da gestão de direitos digitais (DRM).

Do artigo, em tradução livre:
[...] o trabalho foi na altura protegido, sendo decretada uma proibição do seu uso no exterior da Capela Sistina. O regulamento da capela proibia a sua transcrição, e estabelecia a excomunhão como pena para quem tentasse copiar a obra.
Parece certamente um cenário familiar, à sua maneira.

O artigo também demonstra como, após ter sido conservada longe das mãos que a pretendiam copiar e interpretar durante quase 300 anos, a obra soçobrou às mãos da mesmo vulnerabilidade que inviabiliza, em última instância, os mecanismos modernos de DRM e protecção da cópia. Até persistir em toda a cadeia de transmissão da música um elo analógico, ou seja, até não nos ser finalmente instalado um transdutor no nosso cérebro que faça a tradução da música para os estímulos neurológicos, nenhum desses mecanismos poderá tecnicamente vingar. Só poderá quando muito vingar à custa de mecanismos legais de proibição, com as naturais dificuldades de implementação, principalmente em termos de ordenamento jurídico internacional. No caso particular mencionado, bastou à criança-génio Wolfgang Amadeus Mozart, após ter assistido a duas interpretações da obra,escrevê-la posteriormente de memória.

Urge não suportar aqueles que nos tentam colocar numa nova Idade das Trevas pela extensão do período de vigência do copyright para períodos ridículos de tempo, ou que oferecem o seu suporte a mecanismos de DRM que em última instância só prejudicam o consumidor honesto e a própria Música.

Sobre o tema do direito de autor, o escritor Neil Gaiman escreveu uma interessante análise no seu blog que se recomenda.
colocado por JLP, 12:55 | link | 1 comentários